segunda-feira, 5 de maio de 2008

Lira Sertanezina

Como cana nasci e cresci no sertão pequeno
cercado de cana por todos os lados.
Aprendi que o início foi a praça e a igreja
depois dum fim que fora café. A fé e a terra
que se dedicou a uma santa: nasceu
Sertãozinho, crescido na cana.

E pra Sertãozinho crescer, a cana
foi fugindo em distância da praça e da igreja,
cedendo seu sangue, a terra vermelha,
pra gente que trazia sonho de longe: crescer
tal qual cana cresce na califórnia brasileira.

Sertãozinho, querendo ser grande
Mas no fim tão pequeno. Meu Sertão
Tão zinho, pra mim você foi e você é
os canaviais das andanças de moleque…

As folhas da cana que me vincavam cortes ardidos;
o corte do podão sofrido do bóia-fria, que parou de cortar
com a chegada da máquina que não se corta.
Os gomos da cana que eu admirava de tão bem torneados e tão matemáticos;
o trabalho dos engenheiros, dos metalúrgicos, do meu amigo Zé, torneiro mecânico,
pra manter rodando dia e noite as usinas.
A casca dura descascada no dente pra sugar
de cada gomo o açúcar e depois cuspir o bagaço;
os dentes precisos das engrenagens, a energia, as turbinas,
as moendas, as caldeiras, o caldo grosso.
Quanto açúcar, calor e ferro, cristal e aço!

Meu Sertão, Sertãozinho
Só quem conviveu anos com vinhaça
Sabe o que é ser também garapão.
Meu Sertãozinho, Sertão
Só quem respirou anos de fuligem
Sabe o que é ter cana queimando na alma.

Alma de safras e entressafras

Alma entorpecida de álcool,
da euforia de produzir álcool:
política do álcool, pró-álcool, carro a álcool
crise do álcool, febre do álcool…
É tanto álcool, meu Deus, que o tonel transborda.

E paz encontrava em olhar a cana
de cima do velho morrão.
Olhar praquela colcha verde de leves relevos
bordada de fios marrom-vermelhos.
Gigante. Como eu quis ser moleque gigante
pra rolar sobre toda aquela esperança viva e macia.
Meu ser, tão zinho, ser tão.

Mas Sertãozinho,
menos esperança que dinheiro:
açúcar e álcool:
doce euforia
dos italianos usineiros;
das famílias médias italianas o sustento,
dos -ati, -eti, -oti, -ato, -eto, -oto,
dos -agi, -ali, -ani, -eli, -esi, -ini, -oli, -oni
e de tantos outros sobrenomes;
sobrevivência de retirantes do
interior de Minas e da Bahia,
que, em sua maioria, viram
o sonho do ouro verde
se esfriar na bóia-fria
E pra aquecer a lida
sobra o calor e a memória fria
do calor de outros sertões.
Calor e clamor.

Meu Sertãozinho, contudo, não
É o clamor de vidas severinas.
É apenas meu sertão pequenino,
aquele das lembranças de menino.

Por isso, quando me perguntam:
O que você é?
Sertanejo?
Sertaneiro?
Sertanense?
Eu digo,
Sou sertanezino.