quarta-feira, 1 de março de 2017

OS NEM TÃO NOVOS DISCURSOS DA GERAÇÃO PÓS-YUPPIE

Em "O lobo de Wall Street" (2013), Martin Scorcese traduziu a essência das quase mil páginas autobiográficas de Jordan Belfort, o rapaz que "saiu do nada" e chegou ao 1,5 bilhão de dólares e ao controle de 30 empresas em poucos anos. O investidor Belfort explorou os limites de sua inteligência e utilizou toda sorte de estratégias para tornar sua empresa, a Stratton Oakmont, um prodígio do mercado financeiro. Para tanto, ele reúne fiéis colaboradores eficazmente motivados com cocaína da boa e festinhas com prostitutas de luxo dentro do escritório, onde passam horas a fio. O pó ou os comprimidos de quaalude (droga favorita de Belfort) mantêm o foco no trabalho e os dividendos (além das prostitutas) garantem o gozo da rapaziada engravatada e das (poucas) garotas de tailleur que são admitidas no jogo do sucesso segundo o manual degradado dos novos ricos. Fica evidente que o jogo de compra-venda é pautado na imaterialidade das cifras, apenas quimeras; assim, para dar concretude à fortuna, o grupo vulgarmente se lambuza na opulência, festas em aviões e iates, embaladas por drogas e bebidas caras, afinal de contas, o dinheiro é deles e podem fazer o que quiserem com ele. Contudo, neste caso o castelo de cartas cai, o FBI vai no encalço e revela as falcatruas da empresa (ação narrada no segundo livro, "Caçada ao lobo de Wall Street"). Embora ele seja preso por abusar na ousadia de especulador, não há dúvida de que o perfil de Belfort está bem afinado com a lógica da bolsa. Ele é o cara ideal pra realidade do capitalismo financeiro.

Mas o que pretendo destacar aqui é o perfil de Belfort após sair da prisão, que aparece numa cena no finzinho do filme. Fora do mercado financeiro, ele faz uma leitura da nova realidade e, com seu espírito empreendedor, consegue nadar na grana novamente. O lobo de Wall Street retorna como uma espécie de guru, vestido em roupas mais casuais, pele bronzeada denotando corpo saudável, corpo e espírito prontos para uma palestra motivacional. Com incontestável habilidade linguística (que os não ingênuos sabem se tratar, na verdade, de retórica travestida de conhecimentos cientificamente balizados), Belfort demonstra à plateia hipnotizada como vender uma simples caneta para qualquer pessoa, mesmo que a pessoa esteja convicta de que não quer nem precisa da caneta.

Saindo agora do contexto de livro e filme, Jordan tornou-se de fato um palestrante bem sucedido, inclusive veio ao Brasil em 2015 (os ingressos custaram 3 mil reais e se esgotaram rapidinho). Segundo matérias da imprensa, ele consegue manter o público hipnotizado nas mais de 3 horas de palestra. Resumindo, ele diz que pra ganhar dinheiro são necessários três passos: autoconfiança - justificativa/motivo - ação (muita ação). Está claro, pra mim, que Jordan representa também essa galera da geração pós-yuppie. O pessoal que trabalha 12 a 16 horas tirando energia das porções controladas de "alimentos funcionais" e bebidas pra "alcalinizar" o corpo. Defendem que esse tal almoço brasileiro de arroz com feijão não é apropriado e rouba de 1h30 a 2h de produtividade, isto é, o melhor é fazer um intervalinho de 30 a 45min com nutrientes leves e boa hidratação pra voltar prontamente à atividade. Essa galera se apropria superficialmente de filosofias orientais pra "afastar a negatividade" e manter a mente saudável. Costumam dizer que se alguém está em dificuldade ou meio desanimado no trabalho é porque não se programou nem agiu com afinco pra abrir outras portas. Essa turma faz regularmente faxina na consciência participando de projetos sociais, "doando seu tempo" à caridade, ou desenvolvendo projetos de "responsabilidade socioambiental". Defendem que o Estado deve atuar exclusivamente oferecendo segurança ao cidadão e à propriedade, colocando no devido lugar quem não quer trabalhar e produzir. Através de seus óculos de ética distorcida, veem desigualdades socioeconômicas brutais como resultado natural do mérito. Esse pessoal diz que está preocupado em oferecer ferramentas pra qualidade de vida dos trabalhadores, mas, no final das contas, "it´s all about business".

O perfil de Jordan Belfort, hoje mais um representante da geração pós-yuppie, foi apenas pretexto para afirmar: os lobos renovam sempre suas peles de cordeiro.