sábado, 26 de janeiro de 2008

Vida de cão também pode ser boa

Apoiado numa série de observações nos últimos meses, posso afirmar que o comportamento dos cachorros de rua é um grande revelador do espírito e do modo de vida de uma cidade. Não estou de brincadeira! As considerações a seguir se baseiam num profundo interesse despertado em mim por esse setor da sociedade, após um incidente no município de Icém, a 60 km de São José do Rio Preto, na divisa com Minas Gerais.
Ia pela primeira vez de carro à cidadezinha, onde leciono alguns dias da semana, e estava meio atrasado. Ao tomar uma das ruas principais num ponto em que passa em frente à praça da Igreja matriz, eis que vejo atravessar o caminho um baita cachorro, jogando uma pata na frente da outra num movimento que me pareceu uma técnica de andar poupando-se de qualquer esforço mais desgastante. O cachorrão continuou sua travessia, com seu olhar voltado para um ponto distante que não consegui identificar e, então, fui obrigado a reduzir até parar na cola do animal. O infeliz não se deu conta do perigo, nem mesmo percebeu sua inconveniência, porque ainda parou para coçar umas pulgas. Dei com a mão na buzina e o cão a ignorou. Quem percebi ter se importado com o barulho, na verdade, foi um grupo de cidadãos que estavam na porta da padaria ao lado. Me lançaram um olhar que dizia “quem é esse aí atrapalhando o sossego logo cedo?” Embaraçado, esperei o cachorro concluir seu caminho para depois continuar o meu.
Bem, esse foi apenas o primeiro incidente. Algumas semanas depois, fui à padaria numa aula-janela para comprar uns pães de queijo. Quem encontro novamente, dessa vez na calçada? O lazarento do cachorro, acompanhado de um amigo canino. Os dois estavam estendidos na calçada, tomando o sol da manhã, de tal modo que impediam a passagem. Nem pensei em reivindicar o meu direito de passar por ali. Dei a volta pela guia, para retornar à calçada mais a frente. A partir desse dia, comecei a dar relevância aos cachorros que habitam a área central de Icém.
Em primeiro lugar, notei que eles têm um status diferenciado. Recebem mimos dos tiozinhos sentados à porta dos botecos, cumprem uma rotina de visitação a estabelecimentos comerciais, vão e vêm sem ameaça de agressão, recebem ração num lugar fixo, enfim, eles conquistaram grau invejável de cidadania. Tendo em vista a rotina tranqüila e o alimento garantido, todos eles estão em bom peso e alguns chegam a estar obesos. Até assusta o tamanho de alguns!
Atentando-se a Rio Preto, uma cidade de porte médio, vemos que quando se encontra um cão de rua no centro, o que é meio difícil, o indivíduo é sempre esguio, geralmente mirrado, está sempre olhando de um lado a outro, tem um comportamento arisco, esquivo, porque sabe que a qualquer momento pode ter uma surpresa desagradável. Cachorro de rua, pra ser bicho solto em cidade grande, tem que ser malandro, fazer a correria pra ganhar o de cada dia. Muitas vezes fechar uma parceria de proteção e carinho com um morador de rua é essencial. E se vacilar, já era. Se esses cães soubessem a vida boa que seus companheiros têm em Icém...

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