Lá pelos idos de 1998, quando ainda morava em Sertãozinho, estava numa tarde a ler o evangelho de Mateus quando parei no versículo dum discurso de Jesus em que se encontram essas palavras: “Não deis aos cães as coisas santas, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos estraçalhem”. Fiquei vidrado na imagem dos porcos e das pérolas e, por motivos que não se explicam, comecei a esboçar uns versos que dialogaram com o “Autopsicografia” de Pessoa. O poeminha, meio manco, ficou assim:
Os porcos bem sabem o que
fazer com as pérolas. Eu
sinceramente não o sei,
mas sei que não vou chafurdar.
Vivo a fazer de versos um colar
para nunca me caber no pescoço.
Moço, quando você vai aceitar
que viver assim é um triplo desgosto?
Fingir o que sente e também
senti-lo pra ser não mais que vintém,
vitrine das jóias de porcos,
seu malfadado artesão do mau gosto!
Alguns anos depois, talvez 2002, vasculhando trabalhos de tradução de poesia, tive a surpresa de encontrar no site do Augusto de Campos uma transcriação de um poema de e. e. cummings que tem o mesmo trecho bíblico das pérolas e dos porcos como intertexto. A surpresa serviu para me colocar no devido lugar, ao constatar serem os trabalhos desses dois poetas que tanto admiro bem mais sofisticados que meu poemeto. A seguir, coloco a versão do Augusto de Campos e seus comentários sobre seu processo criativo, além do poema original:
Os porcos bem sabem o que
fazer com as pérolas. Eu
sinceramente não o sei,
mas sei que não vou chafurdar.
Vivo a fazer de versos um colar
para nunca me caber no pescoço.
Moço, quando você vai aceitar
que viver assim é um triplo desgosto?
Fingir o que sente e também
senti-lo pra ser não mais que vintém,
vitrine das jóias de porcos,
seu malfadado artesão do mau gosto!
Alguns anos depois, talvez 2002, vasculhando trabalhos de tradução de poesia, tive a surpresa de encontrar no site do Augusto de Campos uma transcriação de um poema de e. e. cummings que tem o mesmo trecho bíblico das pérolas e dos porcos como intertexto. A surpresa serviu para me colocar no devido lugar, ao constatar serem os trabalhos desses dois poetas que tanto admiro bem mais sofisticados que meu poemeto. A seguir, coloco a versão do Augusto de Campos e seus comentários sobre seu processo criativo, além do poema original:
"Pérolas para Cummings" Translation
The poem "pérolas para cummings" (English: pearls for cummings) was written in homage to E. E. Cummings' centenary in 1994. Its language is Portuguese. In the original setting the image of a pearl replaces the letters "o" and (in the last line) the letters "r" and/or "u". Converted into simple types (with an "o" instead of a pearl) it reads:
quem
o
tivo
olev
o
uavi
verj
o
gand
opér
o
lasp
arap
o
ocos
Portuguese: (in conventional form): "Que motivo o levou a viver jogando pérolas para porcos (para poucos)?"
English: "For what reason you passed your life throwing pearls before swine [for the few]?" In Portuguese, the word "porcos" means "swine", and the word "poucos", "the few", so that the changing of just one letter or "pearl" allows the shifting of meaning.
—Augusto de Campos